Agência Brasil
Entidades de defesa do consumidor e representantes da
sociedade civil organizada criticaram ontem (19) a proposta da Agência Nacional
de Energia Elétrica (Aneel) de pagamento antecipado de energia elétrica
apresentada durante audiência pública no Rio de Janeiro.
O sistema de pré-pagamento proposto pela Aneel prevê o uso de um medidor
eletrônico, que deverá ser instalado gratuitamente pela distribuidora de energia
elétrica e que terá leitura do consumo em tempo real. O consumidor poderá
comprar diferentes valores, considerando-se como valor mínimo o equivalente a 1
quilowatt (kW) - o inicial será de 5 kW, a ser pago na primeira compra de
créditos. Os créditos comprados não terão prazo de validade.
O ponto mais polêmico da proposta, similar à modalidade de celulares
pré-pagos, é o que prevê a interrupção imediata do serviço no momento em que os
créditos acabarem. Hoje as empresas são obrigadas a notificar o consumidor, com
pelo menos 15 dias de antecedência, sobre a suspensão do serviço.
A assessora de projetos do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
(Idec), Teresa Liporace, argumentou que esse modelo é uma forma de burlar as
garantias legais do consumidor.
“Estamos falando de um serviço essencial e essa autodesconexão do sistema
pode representar um impacto na saúde, na segurança do cidadão e em sua qualidade
de vida. É um serviço que deve ser prestado de forma contínua. Se hoje existe um
mecanismo que tenta recuperar o consumidor para que ele não perca esse acesso a
um serviço essencial, com essa nova regulamentação, ele vai ser desconectado e
ponto. Um problema a menos para a empresa, mas e para a sociedade? Onde está o
interesse público dessa proposta?”, questionou Teresa, que solicitou a suspensão
do projeto até que se faça um estudo aprofundado sobre os impactos sociais e
econômicos da nova modalidade.
O superintendente de Regulação de Comercialização de Eletricidade da Aneel,
Marcos Bragatto, garantiu que a proposta inclui mecanismos de defesa do
consumidor. “Quando esses créditos chegarem a níveis críticos, o próprio medidor
vai alertar o consumidor com sinal sonoro e visual sobre a necessidade de se
fazer nova compra. Caso ele não faça e os créditos se esgotem, ele pode ligar
para a distribuidora gratuitamente e solicitar um crédito de emergência”,
disse.
O representante da Aneel também ressaltou que a adesão é voluntária e que se
o consumidor preferir poderá cancelar o plano e migrar para o modelo pós-pago
sem empecilhos.
“É muito fácil compelir um consumidor com alta inadimplência a migrar para um
processo desses. E a gente entende que o principal alvo são pessoas mais pobres,
absolutamente vulneráveis, sem informação”, rebateu Teresa. “E o pior é que se
esse consumidor quiser recorrer, reclamar, ele terá que enfrentar todo problema
que já existe no processo demorado de reclamação sem energia em casa.”
Para o diretor da Aneel Edvaldo Santana, o pré-pagamento de energia traz
vários benefícios para o consumidor. O principal deles é a redução significativa
da tarifa de energia à medida que haja maior adesão dos clientes. “Existe uma
incompreensão, mas acredito que o benefício seja bastante evidente, pois a
redução da tarifa é um exemplo maior de benefício social”, declarou.
Ele ressaltou que a Aneel pode rever a proposta e estudar o aumento do prazo
para efetivação do corte de energia devido à falta de pagamento prévio. “Agora,
claro, não pode aumentar muito esse prazo senão diminuem os benefícios, porque
aumentam os custos (...) Mas a Aneel vai analisar as sugestões e por isso
estamos realizando essas audiências.”
Ele citou experiências de pré-pagamento em outros países como o Reino Unido,
a África do Sul, a Colômbia e a Argentina. Segundo ele, nesses locais, os
consumidores estão satisfeitos.
A representante do Procon-RJ Cláudia Henrique da Silva discordou do diretor
da Aneel e disse que estudos recentes sobre esse modelo em outros países mostram
que não houve redução da conta de energia para o consumidor médio. “Além de
serem países com realidades e legislações bem diferentes da nossa, os estudos
que fizemos sobre alguns desses lugares mostram que quem lucra [com o sistema
pré-pago de energia elétrica] são as fábricas, comerciantes, indústrias. Nós,
jamais. O consumidor em baixa escala não tem benefício nenhum.”
O presidente da Associação de Moradores de Vigário Geral, João Ricardo
Serafim, defendeu maior fiscalização por parte das autoridades nos serviços
prestados pelas concessionárias de energia elétrica. Para ele, a tecnologia deve
ser aplicada para melhorar a condição de vida dos moradores e não aumentar
lucros das empresas. “Precisamos ter parâmetros preliminares, como a questão dos
impostos e de diferenciação de energia para o desenvolvimento social e não para
ganhar dinheiro. Para os pequenos comerciantes, por exemplo, o valor cobrado não
pode ser igual ao de um shopping", declarou. “Essa é a discussão que
temos que tratar aqui.”
Os benefícios para as concessionárias são, principalmente, o fim dos custos
com inadimplência, impressão e entrega de fatura, suspensão e religamento da
energia.
Essa foi a nona audiência pública realizada pela Aneel no país para tratar do
tema. A última delas ocorre amanhã (20) em Cuiabá. Sugestões podem ser enviadas
por e-mail (ap048_2012@aneel.gov.br), fax (61-2192-8839) ou correspondência
(SGAN, Quadra 603, Módulo 1, Térreo, Protocolo Geral, CEP 70.830-030,
Brasília-DF) até o dia 25 deste mês.
A expectativa da Aneel é que a regulamentação do novo modelo de pagamento de
energia elétrica seja publicada no início de 2013.